terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Aos pedaços - parte 1

Ele era sem sal… ele era morno… Simples assim. Ele não era o melhor dos oradores, não era nem alto nem baixo, mas sim de estatura mediana. Não tinha olhos claros nem cabelos chamativos. Não tinha porte físico bem definido assim como não mantinha postura ao caminhar. Não era fã de futebol nem dos grandes eventos esportivos que conseguiam juntar as massas. Ele não gostava muito de televisão, não via os reality shows do momento nem as novelas e series que eram febre em sua época. Ele não tinha grandes posses nem grandes aspirações, não era devoto de nenhuma religião conhecida. Não gostava de praia, não gostava de festas, nunca foi aos grandes parques temáticos e viajava muito pouco.  Não era grande fã da culinária internacional, não sabia dançar, tinha apenas amigos casuais com os quais fazia poucos contatos.  Desde que se entendeu por gente evitava boa parte das relações familiares, principalmente as confraternizações. Raramente ia ao cinema, sempre se arrependendo ao encontrar incômodos como celulares tocando e gente falando em meio ao filme , assim saindo no meio da sessão para voltar para sua vida pacata e sem graça.
Esses são os relatos de lugar nenhum, de vida nenhuma, afinal não é os manuscritos de um líder que seguem aqui, mas sim de mais um sonhador criado por fabular e ficção que se desencanta com a realidade do nosso mundo, um mundo bem diferente daquele que sua menta esquizofrênica sonhava em viver.
Ele viveu o que devia, ousou o mínimo, não compreendeu a maior parte, sendo que essa falta de compreensão não é algo único desse personagem mais sim de todos os personagens de nosso cotidiano que vivem entre o reclamar e o questionar.

Era um sábado, um sábado como outro qualquer, ele ainda estava na cama, mas não saberia definir se estava dormindo ou estava acordado. As luzes estavam apagadas e apenas alguns raios de sol atravessavam pequenos vãos deixados pela cortina. Não sabia se dormia ou estava acordado porque qualquer pessoa ali deitada naquela cama com os olhos abertos veria o teto, forro de madeira cor verniz, com o ventilador desligado assim como a luminária fixada ao centro dele, mas não era o que ele via. Ali, naquela manhã de sábado ele via um mar de rostos, incontáveis, todos expressando o mais profundo deboche de sua pessoa. Ele via os colegas do primário e de algumas outras series, aqueles rostos de desprezo que tanto o perseguiram através dos anos. Alguns professores também se somavam a multidão. Muitos daqueles familiares, tios, primos que o pregaram por mais de uma vez em uma cruz também estavam lá sorridentes. Os antigos amores, os antigos chefes, sua ex mulher, todos estavam lá juntos, unidos em um único bordão… eles diziam com gosto e vontade “nós conseguimos… nós quebramos você”. Agora eles comemoravam, brindavam ao sucesso pois o seu fracasso parecia ter sido sempre inevitável… ele estava aos pedaços e seus ceifadores já saberiam que esse ponto era inevitável em sua trajetória.  Não sabia quantos lares perdera em todos esses anos, quantas vezes fora descartado, trocado ou até mesmo oprimido e censurado pela vida. Aquele mar de rostos sabia e afirmava o que ele próprio tentava negar… que estava aos pedaços e já não poderia mais se remontar dos cacos.
Com pouco ânimo se pôs sentado sobre a cama colocando os pés sobre um tapete… achou aquilo engraçado, pois hora que outra se sentia o tapete no qual os outros pisavam em cima, chegou a sentir uma estranha simpatia por aquele objeto e até mesmo chegou a retirar os pés de cima dele e coloca-los em cima da pedra fria do chão. Encarou os quadros que antes estavam na parede e agora se encontravam no chão, as fotos de momentos felizes que agora eram tormento. Se dedicará tanto ao casamento para acabar desse jeito. 
 Foi até a cozinha, tomou um copo d’agua e ignorou novamente a louça que estava por lavar. Pegou um biscoito amanteigado em um pote para enganar o estômago, já fazia algum tempo que ele não preparava um café da manhã, geralmente comeria qualquer porcaria pela rua, por mais que seu primeiro pensamento do dia e o ultimo da noite seriam sobre cuidar mais da própria saúde, mas na hora de pôr em prática as ideias sempre prevalecia o “porque? Para que?” e prevalecia o lado autodestrutivo. 
 Revirou a pilha de roupas que  por mais um final de semana não se animou a lavar, escolheu a mais apresentável que poderia usar para encarar o trabalho. Seu guarda roupa era formado pelas roupas remanescentes de diversos momentos de sua vida. Nunca teve animo para encarar as compras então raramente o fazia. As roupas que não se desfaziam facilmente com o tempo foram se somando em visuais sem graça e sem expressão que era o que ele utilizava para encarar o cotidiano. Calçou os sapatos surrados que já foram colados uma dúzia de vezes, apanhou as chaves e os cigarros sobre a mesa a após um suspiro saiu porta a fora encarando o chão.
 Ele já não fumava a um bom tempo, mas sempre carregava um maço fechado consigo, pois o horror maior seria a vontade de fumar acentuada pelo fator de não haver cigarros por perto, carregando aquele maço fechado consigo já conseguia se manter a dois anos longe do fumo.
Cruzando a primeira esquina parou em um café da região, muito bem frequentado pelos tipos engravatados, exibindo relógios reluzentes, lindas maletas de couro e demais acessórios que o faziam se sentir um mendigo. Mas não era nem eles nem o café que realmente o fazia incluir aquele lugar na sua rota diária até o trabalho. Era o momento mais doce e agradável do seu dia ouvir um “obrigado e bom dia” daquela moça de baixa estatura, aparelho discreto e olhos azuis que se encontrava do outro lado do balcão. Geralmente ele apenas acenava com a cabeça sem muito jeito, as vezes ficava se perguntando se não passaria por miserável entrando todos os dias em um estabelecimento daqueles apenas para comprar um simples expresso curto. Não sabia, mas imaginava o que as pessoas pensavam sobre ele assim que cruzava pela porta do estabelecimento. Será que conseguiam ler a palavra Desgarrado escrita em sua testa, como um luminoso acusando sua desgraça e estado de espírito? Será que ao alcançar o dinheiro deixará a amostra a cicatriz no pulso de uma tentativa de suicídio de dois anos atrás? Tudo era medo e duvida, se sentia observado e julgado por todos, como se seus pecados e falhas fossem noticiados diariamente no jornal das dez, era um nervo exposto.
Chegando no trabalho ele passa pelo recepcionista, provavelmente de um empresa terceirizada recebendo também um salário de miséria, mas mesmo assim com trajes impecáveis, o que o fez se sentir ainda pior.  Chamou o elevador, se espremeu no canto entre quase uma dúzia de pessoas que iriam subir.  Ficou chateado pelo elevador parar em todos os andares que haviam antes do seu, ficou irado pelas pessoas que descem nos primeiros andares sempre se posicionar ao fundo do elevador fazendo com que todos os demais tenham que sair para que elas possam passar. Desceu no seu andar já carregado de tristeza e ódio como em qualquer dia normal, apesar de ser um sábado. Reclamou mentalmente de ter que dedicar uma sábado de verão como aquele ao emprego, apesar de que se não tivesse esse compromisso não faria nada além de encarar o teto de seu quarto ou secar uma garrafa de uisque de marca razoável para acalmar os demônios internos. Não sabia ao certo o que eram aquelas vozes gritando dentro de si, mas eram todas dele mesmo, pedaços … fragmentos de si que se manifestavam hora que outra tentando buscar uma reação para todo aquele declínio.
Entrou no escritório, observou todos os colegas que não davam a mínima para a sua chegada, foi até a mesa onde aguardaria que os superiores pedirem uma dúzia de tarefas, cuja maior parte será não relacionada ao trabalho, mas para facilitar suas vidas pessoais. Mas o que ele poderia fazer, dizer não? Nessa hora se tornava ainda mais miserável, sentia-se um burro de carga e questionava todos os rumos da vida na sociedade. O Capital por deus supremo, trabalhar até não aguentar, ganhar o máximo possível para quando seu corpo já não mais aguentar ele possa ficar em casa parado esperando a morte chegar. Será que era isso o sentido da vida? Valeria a pena gastar o curto e precioso tempo sobre esse planeta para viver esse sistema? Vendia a vida, oito horas dela por dia, e vendia barato. Escutava broncas por erros que não eram seus, mas seu desanimo era tão grande que já não tinha mais nem vontade de se defender, aceitava tudo.  A imagem de alvo já era geral tanto no trabalho como onde morava, colegas e vizinhos tomavam coisas emprestadas, inclusive dinheiro, não devolviam pois sabia que ele não reagiria nem se manifestaria, podiam ver que já não se importava mais com o que acontecia ao redor.
De sua mesa no escritório o objeto que lhe era mais valioso era o relógio, ficava ali por horas quando era possível encarando os objetos e vendo os minutos passarem. A cada volta dos ponteiros ele ficava se questionando se seria agora ou quantas mais voltas teria que esperar para poder sair disso tudo. Queria descansar, descansar para sempre. A morte era um desejo forte, que o separaria para sempre dos vizinhos barulhentos, da multidão mal educada, dos bancos, das contas, dos serviços de tele vendas, dos aniversários dos parentes, das dores nas costas, das consultas médicas… de tudo que era humano e lhe atingia fundo na alma. A burocracia era seu tormento, o cotidiano seu agressor.
 Muito raramente ele se deslocava até um pequeno bar onde aconteciam shows de bandas de blues. Odiava a vida noturna atual com suas baladas, grandes festas, promiscuidade e musicas eletrônicas, odiava todo e qualquer tipo de festa e confraternização que o deixavam exposto aos olhares de seus semelhantes, mas ainda dava algum crédito aquele tipo de musica. Não entrava no bar, ficava na rua admirando através do vidro aquela bela melodia que era executada. Se imaginava fumando um cigarro enquanto seu corpo acompanhava o embalo das notas musicais, depois voltava a sí e rumava para casa no máximo vinte minutos após ter saído.
As vezes se perdia por dias a fio, como em uma semana que achava estar morto, após muito pensar chegará a conclusão de que provavelmente sua tentativa de suicídio havia sido bem sucedida e que aquilo que tomava por mundo real seria o inferno ao qual estaria condenado a viver dia após dia para toda a eternidade. As vezes se focava tanto em seus pensamentos obscuros que nem via passar um ano inteiro. Nem sempre se via como esquizofrênico, pelo contrário, gostava de pensar que ele era o correto. Alguém que acha que a vida é trabalhar até se desgastar, dormir, comer, defecar e se procriar? Este sim deveria ser o esquizofrênico, esse sim que deveria viver nas clínicas contido por tiras de pano em uma cama hospitalar. Ah sim, ele sabia muito bem o procedimento de clínicas psiquiátricas, afinal já foi recebido em uma. Era uma noite de sexta, o desejo pela morte gritava mais alto do que os demais dias, assim parou em uma emergência psiquiátrica… buscava remédio… encontrou a realidade novamente. Antes de se justificar já haviam seis homens para amarra-lo, um deles o estrangulou enquanto ele se debatia, até que fosse dominado.  Todas as noites esse era um pesadelo constante que lhe assombrava, ao invés da paz que procurava apenas ganhou mais um demônio, mais um esqueleto no armário que abalaria a sua paz.
A cada momento difícil tentava encontrar consolo na teoria de que sua situação não poderia se tornar pior, mas o destino sempre lhe provava ao contrário, pois até mesmo no poço mais fundo ainda pode se cavar mais alguns metros. Nessas ocasiões que renegou sua fé, amaldiçoou todos os deuses e santos que já existiram no panteão humano com ira e jogou sobre todas as religiões o peso de sua amargura.  Nessa altura foi tornando-se cada vez mais fechado e frio, perdendo o contato com as poucas amizades que tinha e se trancando dentro do apartamento e dentro de sí mesmo. Enquanto uma pessoa fala em média quase 10 mil palavras em uma dia, era raro ele dizer 100, mas pensava bilhares criando um emaranhado que questionamentos em sua mente. Das 100 palavras que dizia, provavelmente 50 delas era “sim” durante o expediente de trabalho ou atendendo o pedido de algum dos vizinhos que lhe sugavam o resto de alma que tinha.
 Acho que esse é um pequeno resumo digno dessa personalidade e de sua rotina. Seus devaneios claro que não caberiam em linhas ou publicações, mas já se tem um ideia do total.
É mais que natural que um homem assim passe despercebido em qualquer lugar que esteja, afinal quem daria importância e porque daria importância? Trancado no seu mundo, mal sabia o que o destino que tanto o amaldiçoou guardará pra ele.




Domingo pela manhã ele despertou com barulho da campainha, se ergueu como se levasse um choque, afinal já fazia um tempo que não escutava aquele som. A questão era simples, quem seria e o que iria lhe pedir, simples assim. Abriu a porta sem ao menos arrumar o cabelo. A figura que aguardava do outro lado da porta não lhe era nem um pouco familiar, uma moça de uns 27 anos, quase um metro e setenta, cabelos vermelhos, olhos verdes, dona de uma beleza praticamente sem igual, mas isso era algo que um homem como ele não dava mais valor algum.  Ela ficou olhando para aquele sujeito com cabelos embaraçados, cara com as marcas do travesseiro estampadas no rosto e cara de poucos amigos.
 - Eu te acordei? – perguntou a moça
Ele apenas continuou fitando a com um olhar sério e desanimado e agora tinha até vontade de chorar pela imbecilidade da pergunta.
- Desculpe – Disse a moça – é que me mudei a pouco para o apartamento ao lado, queria saber se não poderia me emprestar um pouco de açúcar.
Ele não mencionou uma única palavra, deu alguns passos até a mesa e pegou o açucareiro que mal era usado entregando-o a moça.
 - Obrigado, lhe devolvo logo mais. Meu nome é Vitória – apresentou-se a moça.
- Prazer – disse ele o mais seco possível, logo após acenou com a cabeça, tentou forçar um sorriso e fechou a porta.
Levou alguns minutos até que ele percebesse que não disse seu nome, mas também não achava que essa informação importava. Voltou cabisbaixo até o quarto, abriu uma pequena fresta da janela e ficou observando a rua por alguns instantes. Todo aquele sobe e desce de pessoas dos ônibus buscando um pouco de interação naquele grande centro tomado pelos comércios, as crianças carregando algum tipo de doce nas mãos enquanto eram puxadas pelos pais como pequenos cachorros em suas coleiras, tudo aquilo lhe atingia, lhe era maçante e ofensivo. Achava uma grande merda aquelas famílias, as crianças crescendo adotando os conceitos dos pais para por sua vez porem outras crianças no mundo e lhes transmitir os mesmos conceitos durante a caminhada para a cova. O capital era um vampiro cruel para ele, odiava todas as presas felizes que caminhavam achando que não eram um mero rebanho, que eram protagonistas de algo que poderia fazer sentido, que uma figura superior lhe esperaria de braços abertos em um parque de diversões celestial apenas porque foram “bons” na sua própria percepção. Mas e aquele pedinte que sempre ficava ali jogado na calçada? Será que ele concordaria que aqueles transeuntes devessem fazer parte da dos bons? Que deveriam herdar os reinos do céu? Duvidava com todas as suas forças. Logo sua atenção foi desviada por um aroma adocicado que invadia a janela, era uma fina e pequena cortina de fumaça produzida por um incenso de morango que estava na janela ao lado. Conforme a orientação do vento variava o perfume que provavelmente já devia tomar conta do apartamento da nova vizinha invadia também o seu.  Parecia que aquele perfume doce poderia lhe tocar profundamente, até mesmo gerar alguma calma e isso foi motivo o suficiente para que ele tornasse a fechar a janela e se isolar de qualquer coisa que poderia ser positiva.
 Novamente a fúria lhe surgiu, “quem ela pensava que era para chegar e já infesta-lo com aquele cheiro?”  Logo mais encarou  um leve cheiro que a falta da limpeza causava no apartamento e decidiu encerrar a própria critica. Logo mais escuta o som da campainha novamente, levanta impaciente e  caminha com fúria até a porta, abrindo-a rapidamente.
 Um homem parado enfrente a porta lhe estende um jornal. Ele não apanhou, apenas ficou encarando o homem que vestia um terno que lhe parecia ser muito caro. O homem por usa vez também não lhe dirigiu a palavra , apenas ficou ali ofertando o jornal sem manifestar-se.
 - Pois não ? – Perguntou
- O jornal de hoje, estamos distribuindo cortesias no seu prédio. -  Respondeu o homem
- Porque? - `Perguntou desconfiado.
- Faz parte da nossa campanha para ampliar a venda de assinaturas – Respondeu.
Ele apanhou o jornal e fechou a porta de imediato, poderia ser a pior pessoa na face da terra mas não era burro, aquele homem não carregava uma pilha de jornais e sim um único exemplar, assim como por óbvio aquelas não seriam as vestes de um entregador de jornal.
Jogou a edição sobre a mesa e aguardou um minuto até abrir a porta novamente para se certificar de que o homem havia ido embora. Após voltou a atenção até a publicação, era um jornal de circulação local bem conhecido, estava em estado razoável. Ao examina-lo com maior atenção notou uma folha com a ponta dobrada, abriu para arruma-la, ficava em meio ao caderno dos classificados, mais precisamente em uma página onde prevaleciam os anúncios de acompanhantes. Deu atenção a um anuncio circulado por uma caneta vermelha “Le Vieux Loup, Dias melhores, noites inesquecíveis… Desafie-se”. Leu umas três vezes o anuncio, nunca se sentiu a vontade com esse mundo da prostituição e casas noturnas. Fora umas três vezes quando era mais jovem para acompanhar alguns amigos da faculdade, mas desde aquelas tempos o temperamento conservador e ranzinza já o reprimiam por completo.
 Largou o jornal tentando achar algum sentido naquele homem lhe entregar aquela edição com aquele anuncio circulado e pela primeira vez em muito tempo foi tomado pela curiosidade que há muito havia lhe deixado. Era tão desapegado e tão desgostoso que não se dava o luxo de ficar curioso ou realmente querer descobrir algo sobre o que quer que fosse, mas aquela situação pareceu lhe dar um pequeno choque. Se sentiu incomodado pela sensação diferente, serviu um grande copo de uisque que tomou junto com alguns comprimidos para dormir, ou iria ter um longo sono ou morreria , não fazia diferença, mas não queria ficar curioso nem por mais um instante. Logo uma dormência foi substituindo a queimação do uisque e pouco a pouco o sono tomou conta, caiu adormecido no sofá da sala.

Segunda pela manhã o despertador já tocava a alguns minutos até o momento que ele finalmente despertou, estava encharcado de suor, provavelmente pela mistura de álcool com os remédios. Uma forte dor de cabeça também se mostrava presente, mesmo assim a rotina estava lhe chamando, portanto se arrastou até o banheiro para encarar um banho rápido.
Quando saia do prédio conferiu rapidamente a caixa de correio, apenas para achar um pequeno panfleto do Le Vieux Loup. Na hora a curiosidade do outro dia lhe caiu como uma bomba. Estava tão distraído com um série de “porquês” que quase esqueceu de parar para o seu expresso, passou reto por mais de uma quadra, ao se dar conta respirou fundo e voltou para ganhar o seu “bom dia”.
 Na sua frente a fila do café havia um casal bem jovem, provavelmente tinham 18 ou 19 anos de idade. Vira e mexe trocavam beijos e falavam como se fossem crianças, aquilo fez eles esquecer as duvidas e retomar um ódio sem igual, desprezava eles sem mesmo conhece-los, em parte era inveja pois sabia que aquilo não faria mais parte de sua vida, ninguém amaria aquilo que ele se tornou, a não ser que seja alguém tão miserável e problemático que nem ele. Aquelas demonstrações de afeto eram como facas nas suas costelas ou dedos apontados no seu rosto, o deixava desconfortável  e despertava um desejo de entrar em frenesi ali mesmo no meio da loja e agredir os dois até seus dedos sangrarem.
 - Pois não? Perguntou a doce atendente. Ele havia perdido a noção do tempo e agora trancava a fila, aproximou-se do caixa meio sem jeito tentando retomar algum raciocínio mais lógico.
 - Um expresso né? – perguntou a moça ,ele apenas acenou com a cabeça. Pagou o café, acenou novamente ao ouvir o “tenha um bom dia” e retomou sua caminhada para o escritório.
Começava a cair suaves pingos de chuva enquanto ele cruzava a rua e adentrava o prédio, passou pelo mesmo processo diário do elevador até chegar a seu andar e por vez até sua mesa.
 - Bom dia – Disse um de seus colegas lhe estendendo a mão. Ele ficou pasmo, ninguém realmente parava para lhe cumprimentar. Ao apertar a mão do homem sentiu um leve aroma no ar, um perfume adocicado, Cristal.
 - Você ta comendo ela? – Perguntou ainda segurando a mão do homem
- Como ? – Perguntou o homem assustado.
- Você ta comendo ela, agora vem me cumprimentar, fingir que é meu amigo porque tem que sondar se eu me importo ou não? – Continuou
- Olha não é bem assim, a gente se gosta mas não quero fazer nada que te magoe – Disse o homem quase gaguejando e tentando em vão soltar a mão.
- Escuta aqui seu filho da puta ignorante, você não se importa com nada, você não se importa de ta comendo minha ex mulher, não se importa se eu existo, você e só mais um merda que pensa com a droga do pau e tenta fazer clichês básicos para se sentir social. – Agora ele gritava ao dizer essas palavras, todos os presentes no escritório assistiam assustados a cena, seu rosto estava vermelho, o ódio tomara conta dele de uma maneira que mal podia conter, na sua mente passavam cenas que nunca viu como se fossem a mais pura verdade, a intimidade do novo casal passava diante de seus olhos e faziam seu sangue ferver enquanto seus batimentos aumentavam gradativamente.
“Eu sinto muito” disse o homem e este foi o estopim para uma bomba relógio que há tempos ´precisava de uma explosão, não que fosse justificável mas não poderia conter. Os dois primeiros socos jogaram o colega contra uma das mesas, não teve nem chance de cair no chão pois já era atingido novamente repetidas vezes. Foi preciso cinco pessoas para segura-lo, cinco minutos para ser anunciada sua demissão. Passou toda a parte da tarde em uma delegacia onde novamente voltou a se calar, apenas concordando com os policiais que redigiam o boletim de ocorrência. Se sentia mais lixo do que nunca, um novo pedaço havia se quebrado e como de costume não haveria chances de reparo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário